sexta-feira, 30 de outubro de 2015

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Sobreviver sim, mas para quê?

Nestes dias o argumento da sobrevivência política de António Costa é um dos argumentos que mais tem resistido no discurso central da direita; pelo menos por duas boas razões: porque, sendo verosímil, é aparentemente decisivo para a análise da situação e porque tem sido deixado espaço para a sua utilização no campo moral. É certo que o que estas vozes querem dizer, ou que se perceba, é que Costa não quer deixar o poleiro. É a expressão popular que lhes interessa estimular porque esta é a de maior efeito mediático e porque condensa em si uma consequente condenação do indivíduo político que, para seu proveito próprio, sacrifica os mais altos valores. Mas também implica um corte conjuntural na sua utilização, pois que este princípio funciona em todos os sentidos – mesmo nessa visão popular: “ o que eles querem é poleiro” - e por isso aplica-se genericamente a todos os líderes políticos. Para maior eficácia é necessário, a cada momento, isolar o sujeito da própria extensão política.
Ora, estar no poleiro é instável e são os líderes dos maiores partidos, geralmente associados com o poder, que mais sofrem desta instabilidade. Num certo sentido, e a prazo, estarão sempre a contas com a sua sobrevivência política e esta não deriva apenas das condições impostas por um resultado eleitoral, mas sim do próprio tempo político, como variável de constante aplicação. Utilizando a história dos atuais protagonistas, podemos, por exemplo, remontar ao período pré PEC4 e relembrar a frase assassina de Marco António dirigida a Passos - “ ou tens eleições no país ou no partido” – de forma a reproduzir este efeito. Mesmo numa altura em que Passos estaria consolidado como líder do PSD e em que já não restavam dúvidas de que estava em condições de ser primeiro-ministro em caso de eleições, a pressa orgânica das hostes internas do partido ameaçava(?) gerar um movimento que o poderia lançar borda fora. Neste sentido, definir determinada acção política dos líderes dos partidos de poder como de sobrevivência política é mais ou menos o equivalente a dizer que eles estão em funções.
É certo que podemos evocar que esta variável tem, obviamente, uma gradação e que o momento atual configura um nível agudo em que essa sobrevivência está em grande risco. No entanto, era conveniente estabelecer desde já que a sobrevivência é uma função e não uma disfunção da actividade política, para dessa forma se poder relativizar a componente moral, tentando perceber a sua dimensão e utilidade. O que me interessa não é tanto se o sujeito está a tentar salvaguardar o seu futuro político, mas o que é que a sua ação política serve e determina.

No caso concreto, podemos pois partir do princípio de que Costa, inevitavelmente, luta também pela sua sobrevivência política, embora seja mais difícil determinar que o momento definidor da rutura está já ao virar da esquina. Na análise cínica (legitima), Costa desenvolve nos últimos dias manobras de contorcionismo, ou é como um pião que tem de continuar a girar, ou que está a trair seja lá o que for (por exemplo o país) apenas com o intuito de se salvar. Ora, de momento, a permanência de Costa como secretário  geral do PS não parece posta em causa. Até porque os putativos candidatos à sucessão que se conhecem, embora se achem capazes de ajudar o partido numa situação de grande “urgência”, já não acham muito atraente liderar a via que prescrevem de imediato, que é a do PS ficar a assar lentamente à sombra da coligação - para isso Costa serve perfeitamente. Aliás, mesmo que assim viesse a acontecer, que o PS por escolha ou inevitabilidade tenha de gerir o seu papel na oposição, do ponto de vista táctico, não é de excluir que Costa pudesse navegar estas águas estagnadas e até, porque as alternativas dentro do PS não são por si só avassaladoras, sair de novo como líder capaz para nova refrega com a coligação daqui a dois anos. Seria difícil, mas não tão pouco provável como se tem desejado. De qualquer modo, a sobrevivência de Costa coloca-se à vista, mas não no imediato - isto, como é evidente, relativamente aos fatores externos à sua vontade. Da mesma forma, os riscos inerentes a um acordo de governo à esquerda também o colocam numa situação em que na melhor das hipóteses essa sobrevivência apenas será garantida a médio prazo. De uma forma ou de outra, a liderança de Costa, (mais tempo, menos tempo), será sempre posta em causa no futuro próximo. Resta-lhe pois o direito de, perante este dilema, fazer a sua escolha, que será sempre de risco e, consequentemente, de sobrevivência.

A utilização deste argumento que tem sido feita no espaço mediático, também pressupõe que existe uma contradição entre a sobrevivência política de Costa e o interesse do país. Aparentemente - e não se sabe muito bem sob influência de que efeito -, não é possível que o interesse do país possa estar alinhado com a sobrevivência política de Costa. Parte-se desse princípio. Ora, aqui é por demais evidente que estamos em território da retórica política como forma de condicionamento da opinião pública. Primeiro porque a definição do que é o interesse do país, não está escrito em pedra e, como é sabido, constitui até um dos fundamentos básicos da política. As alternativas políticas constituem-se exatamente porque há visões diferentes do que é o interesse do país. Em segundo, e consequentemente, porque a realidade atual do país, saída das eleições, convocou essas visões diferentes através dos representantes dos eleitores e, caso exista um acordo de governo à esquerda, a visão maioritária do que é o interesse do país estará consequentemente alinhada com a sobrevivência política de Costa. Se Costa optar por sobreviver com um acordo à direita o mesmo se aplica. A questão discute-se portanto mais na ordem do desejo: preferir que Costa sobreviva de uma forma conveniente ou que pura e simplesmente desampare a loja.

Há também neste argumento um fundo ideológico que de certa forma convoca a máxima arcaica de Spencer “a sobrevivência do mais forte” e que numa mecânica mental mais rudimentar se desdobra no facto de Costa ter perdido as eleições, logo, a própria Evolução determinar como lei natural, talvez até divina, que já não estará apto a sobreviver. Esta é uma visão que infelizmente tem vindo a ser aplicada vezes sem conta à realidade, neste caso, politica (mas não só) e, para que sejamos justos, não só pela direita. A própria esquerda, a maior parte das vezes por ignorância, mas também com alguma conveniência, sempre incorporou parte desta estrutura fundamental do pensamento da direita. O que é um facto é que, não há lei celestial que possa negar que um líder que perca umas eleições não seja um bom líder para vencer as seguintes. Como exemplo, temos todos os casos dos partidos que mantêm os seus líderes apesar das suas derrotas relativas e que mais tarde conseguem obter melhores resultados. É certo que podemos considerar que nos partidos de poder a pressão interna é maior e que essa dinâmica permite uma renovação mais acentuada. O que não se pode garantir é que essa renovação seja sempre o melhor para esse partido.

O que, no meu entender, se tornou relevante é que António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa jogam num plano maior do que a simples sobrevivência. Isto mesmo tendo em conta todas as leituras tácticas e cínicas que poderão e devem ser feitas. Jogam num lance audacioso e de enormes riscos, mas que aceita desde já um princípio importante: de que é necessária uma reconfiguração das dinâmicas politicas à esquerda para travar uma direita que já é ela própria integrante de um movimento frentista e hegemónico que, no seio europeu, rejeita qualquer caminho alternativo. Mesmo o argumento da maioria negativa, além de negar à partida todo o efeito construtivo que uma governação gerada a partir deste acordo sempre teria, pode ter também outras leituras e uma delas é a de que a rejeição se constituiu como uma das forças importantes no património da esquerda mundial. Quantas vezes o que foi possível foram frentes negativas de rejeição aos poderes dominantes? Quantas histórias de resistência não juntaram forças entre si divergentes para fazer frente à situação? Observemos como este tipo de frentes são hoje colocadas num plano de repúdio moral e como este tem sido um processo longo e laborioso que a direita destila. Como a orgânica das frentes não é respeitável, resta à esquerda dividida ir definhando.

Relativamente a Costa, fica a certeza de que está muito para além de jogar para se manter na mesa porque neste momento a diferença está entre governar ou não, o que em termos políticos e partidários é um poucochinho mais do que sobreviver. Independentemente de todas as forças malignas que possamos convocar para o futuro, um acordo de governo à esquerda seria só por si histórico e todo o “contorcionismo” dos líderes desses partidos para o alcançarem, um número assinalável.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Este blogue soube que vai ser assim


O argumento da vontade do povo

O povo português disse. O povo manifestou-se claramente. O povo quer que sejam os meus a governar. Há, claro, outras variantes, mas esta é uma das formulações mais ouvidas nos últimos dias. Não vale a pena virem com manipulações matemáticas, dizem. O povo português foi claro, porque o povo pensa como eu; eu e o povo somos intencionalmente a mesma entidade; o povo declara-se como eu e sofre das mesmas sensações. São os 38% que votaram como eu que fazem o povo. Os outros não são povo; provavelmente nem são portugueses e o que querem não faz cá falta. Eu decido o que é o povo e qual a sua vontade! … Ah, e pim!

O argumento da gula esquerdista

A ideia de que os partidos da extrema esquerda querem é aceder aos recursos do estado tem sido também várias vezes enunciada. E é apresentada como um perigo agudo. Alguém, até agora tradicionalmente excluído do processo, quer meter mãos ao pote. O pote está em perigo! E para isso, imagine-se, esses radicais até estão capazes de trair os seus mais queridos princípios. Tudo pela gula, agora que lhes cheira. Este argumento não tem muito que se lhe diga. No entanto, é revelador de como o exercício do poder político é associado a uma concepção de rapinagem, não só pela pessoa de rua, mas inclusivamente por quem já tem as mãos lambuzadas. Este é o argumento de quem diz: aqui no pote isto já está à pinha, não cabe mais ninguém, porra!


sábado, 10 de outubro de 2015

O argumento da tradição já não é o que era

Antes de mais este argumento peca por antecipação. A decisão de quem será indigitado para tentar formar governo não é dos partidos, mas sim do presidente. A não ser que sejam convidados desde já pelo presidente a formar governo, o que os partidos de esquerda poderão fazer, caso se entendam, é a rejeição do programa de governo, ou o chumbo do orçamento da Coligação e não impedir a formação de governo, caso seja essa a decisão do presidente.
Quanto à substância do argumento, o que não ajuda é tratar a tradição como se fosse um formalismo. O que é formal é a lei, e neste caso a constituição. Não fosse assim e ainda seria aceitável que se matassem touros em Barrancos. Portanto, a ideia de que há uma subversão das regras pelo facto de não ser a coligação que ganhou as eleições a constituir governo não tem base formal e por isso não se devem evocar as regras. O facto de ter sido sempre assim - além de ser só por si, e em todos os domínios, um argumento fraco - deve também observar as razões concretas que assim determinaram este desenvolvimento. Os governos de minoria não se formaram espontaneamente porque tinha de ser; formaram-se por falta de alternativas. Quando a direita foi minoria no governo, foi porque não houve a possibilidade (por motivos óbvios) de, no quadro parlamentar, constituir uma maioria com os partidos à sua esquerda. Quando foi o PS, o mesmo se aplica (neste caso à esquerda e à direita). Daqui poderá resultar o argumento de que temos alguma dificuldade histórica relativamente a entendimentos políticos sólidos de governo, mas não que tenha de ser sempre assim, até porque isso poderia constituir uma forma contorcida de formalizar a incapacidade para gerar coligações.
A debilidade deste argumento do precedente histórico - da "praxis constitucional" - também se manifesta no sentido em que visa apenas o presidente e por isso não deve ser dirigido aos partidos. Que o Soares (87) disse ao Constâncio que não podia ser, ou que no caso dos Açores o Sampaio (96) não quis isto ou aquilo, remetem apenas para a responsabilidade política dos intervenientes, das suas decisões, e, também importante, para a especificidade do contexto político em que estas decisões foram tomadas. É evidente que formam um desenvolvimento histórico, mas não estruturam um quadro imperativo de procedimento. Assim, o atual presidente pode, de forma legítima, decidir em linha com essa "praxis", desde que dentro do seu entendimento e no quadro dos seus poderes. Quanto aos partidos, devem desenvolver a sua acção política no sentido de encontrarem as melhores soluções possíveis independentemente deste tipo de avaliações subjectivas e, enquanto não for conhecida uma decisão presidencial nesta matéria, ponderar os vários cenários; e será essa decisão a poder confirmar a "praxis", não o contrário. O atual presidente até pode considerar essa tradição como factor influente na sua tomada de decisão, mas essa será a sua escolha, derivada do seu entendimento pessoal e não de qualquer imperativo pré-estabelecido pelos comentadores. Portanto, o argumento visa apenas, aparentemente, condicionar a acção do presidente embora seja dirigido ao campo partidário.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

5 de Outubro