Mais do que perceber a qualidade jornalística do Jornal Nacional da TVI, o de sexta-feira neste caso, interessa-me saber se os coentros em pó que comprei não me vão comprometer o guisado. Cheiram-me a madeira, estranhamente e de um travo doce. Idealmente, os coentros deveriam sempre chegar-me em raminho e eu muito prefiro a lida de arrancar os que estão amarelados ou que são ervas de outra estirpe, do que me sentir um boi pasmado a olhar para um frasco, assustado com o facto de assumir que alguém escolheu por mim o sabor que os coentros devem ter.
Muitas das letras acerca do Jornal da noite da TVI, o de sexta-feira pois claro, advertem-me para o potencial infeccioso de todos estes pós devidamente tratados no sentido de tornar o acto de cozinhar num gesto asseado e desprovido de ruídos.
Do que eu padeço, não é do gosto pelo ruído, eu já não suporto sem ele a melodia.
Confesso o meu desconcerto perante as missivas que distinguem eloquentemente o bom do mau jornalismo. A humanidade não desconfia mas faço chichi na cama quando adormeço a pensar no caso – no concreto do caso, quando alguém adverte que andamos a papar jornalismo eticamente violentado. E eu supostamente a perder tudo… ou pelo menos a consciência de tudo. Dou comigo a cogitar até que ponto o bom serviço jornalístico se presta nas palavras dos gurus da deontologia e da ética e se tais não o tornam mais perigoso, mais capaz da absoluta traição.
Tenho comigo a fantasia de que, de momento, porque me dá jeito de momento, o “bom jornalismo” é absolutamente inútil. Do que eu preciso é de muito jornalismo. Sobremaneira prefiro a quantidade à promessa de qualidade - antes a liberdade narcísica do que o conforto fétido de uma bitola definida por malta capaz de tornar o mundo melhor com as suas mãozinhas cheias de óleo para amaciar o rabinho da criança. Ainda para mais, quando as técnicas de manipulação da informação e dos canais escolhidos para a sua comunicação aspiram secretamente a estragar-me o dia e no meu campeonato de caricas cilindram a fantasmagórica “habilidade” de bem formar jornalistas. Restam-nos ou a indiferença ou a responsabilidade da escolha ou a irresponsabilidade de uma outra coisa qualquer.
Se é cada vez mais evidente que o jornalismo já não consegue sobreviver ao produto então julgar um produto com recurso aos mais elevados valores de uma ética que não seja comercial não pode deixar de ser uma actividade suspeita. E isto também se aplica às forças alvas, que protegem o mundo de primaveras sombrias e campanhas negras - são suspeitas.
No concreto, o que cheira nesta insonsa indignação motivada por um suposto jornal nacional são as virilhas suadas de quem reage da bancada, não por dívida à deontologia, mas por afecto táctico. Usando para isso a retórica da higiene como advertência aos incautos quando o que realmente importa é perceber quem é que vai para a cama com quem.
Colocada a coisa na ponta da faca da imagem futebolística, o jogo transborda, invade as bancadas e nas bancadas faz-se a jogada de uma discussão em espiral de fervor lento, protagonizada por peixeiras tolhidas de tanta sofisticação, que venderam a alma ao senhor dos chouriços - e é por isso que me cheira a peixe; a maior parte das vezes, perfumadamente podre. O jogo poderá até ser uma espécie de derby, um dos de sempre: governo versus o conjunto que equipa de negro. Entre insultos, escarros e cotoveladas nos dentes, o jornalismo é tanto mais um instrumento como um pretexto para ambas as equipas e para as turbas adeptas que se enfrentam num campo feito dessa pasta com que nos obliteram desde sempre: o estado do país. A bola faz-se de trapos informativos, ora acariciada por Cristianos, ora sovada por Marianos e o que realmente importa não é do que é feita mas sim a sua trajectória.
É talvez por isso ligeiramente desonesto que se discuta o estilo quando fundamentalmente importa, para quem pagou bilhete com o seu próprio bílis e sangue, poder partir a boca toda à reputação e bom nome do Primeiro ministro e do governo. É um direito inalienável escolher partilhar das inatas práticas da populaça e correr alvoraçadamente em todas as invasões de campo virtuais. Outros sítios há que é pedrada de meia noite. Putas de vacas pachorrentas, é o que nós somos.
Não fosse o cinismo um dos poucos orgulhos que tenho e não estaria eu também de cu sentado no terceiro ou quarto anel, ou no anel de fogo, valha-me deus, porque o jornal de sexta feira da TVI é como um daqueles apurados chouriços alentejanos ao qual eu não resisto, ou um queijinho “venenoso” do qual me apetece dispor.
E admito que é sem remorso que enfardo tal pitéu. Proteger em mim, com a devida dose de indignação pela linha editorial utilizada por um programa televisivo de merda, a corja que monta furiosamente o governo do país seria de um masoquismo ultrajante além de totalmente inútil.
No final do dia encontro-me refém do mesmo céu de sempre a patinar na mesma merda de sempre, na minha e na que me rodeia, e tenho francas dúvidas de que, se o governo do país fosse outro, o meu final de dia pudesse ser diferente. Assim sendo, não arrisco colocar aqui os meus interesses, os que ainda escondo debaixo do colchão, em jogo. No limite, na minha percepção mais honesta e desprovida de artifícios participativos, a acção deste ou daquele governo são coisas que se passam no reino distante da Malásia, se é que isso existe e é distante. O queijinho malandro não passa de uma gulodice que sabe a qualquer coisa como vendetta pífia e que depois de digerido já nem sequer satisfaz os meus fantásticos e gloriosos ideais de justiça.
Ocasiões há em que imagino o diálogo com a minha avozinha de cartão:
– Bem avozinha, vou agora dar uma espreitadela ao Jornal Nacional de sexta-feira.
– Vai sim meu querido que é o mais que levamos desta vida… dar umas espreitadelas.
Um dia destes ainda plastifico a senhora.