sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Por conta

Fungível a desvalorização, ambígua, deslavada, que foi feita por responsáveis partidários, mesmo daqueles que se prefiguram como concorrentes, relativamente ao caso da compra de votos por parte de um partido politico e por isso mesmo, relativamente a caros concidadãos, com certeza também responsáveis, que por lá estariam, à época, e que pretende questões mais importantes a tratar numa altura em que o país vai a votos, problemas nacionais sérios, graves, a resolver; politicas substantivas, claras e de verdade, que para lá da proposta não pretendem perder norte com manobras subterrâneas de condicionamento, distracção, esquemas de baixa política. Pessoas estas, que ainda ontem e antes de ontem, e já lá vai tempo, não perderam a oportunidade de criar, aproveitar, chupar, esgravatar todos os factos políticos capazes de manobrar selectivamente pelo lodo do outro. Responsáveis e representantes da capacidade destes partidos para a batota política, quanta for necessária, sempre que for essa a exigência de quem estiver por lá, numa sala, onde se metem as manápulas sujas em cima da mesa, ávidas, e se decide do negócio, do quanto tem de valer.
A base da democracia não importa, o seu conceito de verdade, a honestidade que lhe possa ser devolvida; há coisas mais importantes, prementes, há Verdades que não esperam e que têm de ser ouvidas com clareza, impunes ao ruído desse aviltamento, dessa denúncia amarga, dessa incontornável visão, de que lá no princípio, lá mesmo onde as coisas se iniciam e a democracia se faz vontade, há podre e bafio; nas fundações da carne, com a passagem do tempo, há liquido encardido a pulsar por dentro.

sábado, 1 de agosto de 2009

Escavaca que isso passa

Há que tempos vinha eu utilizando o estado de degradação física e porventura a falta de envergadura ética do tecto da minha casa de banho, da infiltração que o assola, como arma de arremesso político contra o “arco do poder”, até que por fim, esta semana, uma resolução de ordem superior determinou a necessidade de reparar o dito, por motivos que só um momento de fraqueza da minha senhoria poderiam justificar.
Apareceu-me à porta um senhor brasileiro que se apresentou como o gajo. O gajo? Que vem pintar… Ah pois…
O gajo! Isto saído da boca de um "chapa” soa mal, e não deixa de parecer que o “cara” se está imolando pela língua, como que capaz de se investir de alguma legitimidade conterrânea.
Há também questões outras que neste momento me assaltam: por exemplo, conhecer qual o lugar no ranking de pinturas e afins, que o cidadão brasileiro ocupa a nível mundial. De qualquer modo, o “gajo” permite-me pensar o quanto o povo brasileiro é liquefeito e vem perpassando para todas as áreas da sociedade portuguesa, inclusive no que diz respeito às idiossincrasias do português de Portugal. Ambiciono o dia em que serei atendido numa repartição de finanças pelo Vanderlei. Até lá vou sonhando com uma mulatinha para presidenta de junta em Canedo.
O gajo trazia atracado o técnico canalizador, o seu Vítor, este nascido no Cacém, para ver do que se passava com o tecto da casa de banho; e tendo ficado à porta desta, numa avaliação que lhe custou não mais do que dois segundos, o senhor proclamou “Ah pois é, isto tem de ir tudo abaixo”. Foda-se ó amigo, suspirei de imediato.
Mas é que é isso mesmo: se há coisa que por cá passa de pais para filhos é esta facilidade com que se avaliam as mais diversas situações e se postula este princípio reparador do “tem de ir tudo abaixo” como forma de unificar as possíveis vontades. É uma forma própria de autocrítica coletiva, que se esconde na náusea que o próximo nos suscita; o próximo que fez aquilo; aquilo que está ou ficou mal feito e que agora vai ter de ir abaixo. Por cá, aparentemente, pouco resta que não fosse melhor ir abaixo, e no limite, eventualmente, bem que poderia ser a expressão de uma estratégia de fundo da evolução, codificando o instinto numa adaptação de recurso, talvez até verdadeiramente moderna e revolucionária. Se por exemplo pensarmos em como o Sistema global ameaça “gripar”, o “vai ter de ir tudo abaixo” poderia bem ser o El Dourado da metafísica, o remédio eficaz para a dor, o maravilhoso reset do universo.
O problema é que falta coragem a quem pondera este princípio e numa terra onde tanto se proclama que tudo tem de ir abaixo e na verdade muito pouco se manda abaixo, e muito do que vai abaixo, vai porque calhou e faz resultar processos incestuosos nos tribunais para apurar responsabilidades, o que resta é a condição de que tudo é passível de flutuar entre a necessidade de “fazer” e o solavanco do “espera aí que agora não me dá jeito fazer… ou que se faça”.
Estamos pois encalhados em praias do projecto/estudo, mas já com o estaminé montado, a fazer negócio.
Uns dias mais tarde o canalizador, o seu Vítor, telefonou-me, informando-me que seria necessário “executar operações de peritagem” na minha casa de banho, a ver da minha disponibilidade e talvez saber das minhas opiniões sobre produtos de higiene. Perante o considerável potencial dos termos utilizados confesso que estremeci e passei a escrever um diário secreto. Operações de peritagem parecia-me bem, que a minha casa de banho merecia, sempre o mereceu!
Chegou-me lá o seu Vítor, desta feita com algum pudor, que ia ver... executar talvez, operações de peritagem. Lá o deixei por momentos, porque transportado para uma condição que não é tanto a nossa, mas que a realizamos à nossa maneira: a da nomenclatura técnica e do seu mundo de inúmeros mistérios e surpresas. Fiquei ciente e absolutamente convencido de que a utilização do “executar operações de peritagem” foi possivelmente a mais simpática das formas que o técnico canalizador, o seu Vítor, encontrou para prestar informação de que me ia escavacar os lavabos sem no entanto os deitar abaixo. Uma grande desilusão, porque talvez o grande problema da minha casa de banho seja somente o facto de ainda estar de pé. Mas não só irá ficar assim, como depois de devidamente escavacada se percebeu que o escavacanço não estava capaz de apurar causas para a infiltração. E de facto, o problema passou para o andar de cima; que metia uma coisa com sifão e tampa; que não estava nas melhores condições e que para tal se gastou dois minutos no sentido de desenrascar uma resolução de recurso. E desenrascou-se por dois ou três dias até que o problema se manteve e lá veio o seu Vítor escavacar mais um bocado. E depois soldou, colou, aplicou, deu mais um jeitinho na coisa e perante o insucesso voltou para escavacar. O que resta hoje, é que o problema não foi ainda totalmente resolvido e é com alguma perplexidade que aguardo desenvolvimentos, baralhado de tal modo que já nem faço ideia se desta vez o seu Vitor vem para escavacar ou para desenrascar.
Talvez seja esta uma das modalidades que tanto nos animam - partimos para as coisas capazes de fazer melhor que qualquer um e para isso vamos a jogo apostando a necessidade de mandar tudo abaixo. Chegados lá, onde podemos de alguma forma interferir com a extensão, acabamos por negociar a coisa, chamamos-lhe nomes, e se realmente não dá jeito mandar tudo abaixo, começamos a escavacar. Começamos a escavacar porque não pensámos noutra coisa que não mandar tudo abaixo. Escavacamos e depois logo se vê, alguma coisa se há-de desenrascar e lá isso desenrascamos que é uma coisa parva. Passamos a vida a desenrascar mas a chatice toda é que montamos a coisa deterministicamente e antes do desenrascar vem muitas das vezes o escavacar. Escavacamos para desenrascar – escavaca, desenrasca, escavaca, desenrasca, escavaca, desenrasca e a resolução, empurramo-la com a barriga para depois, muitas das vezes até ao infinito como se fossemos um bando de Fichtes labregos. Na relação com a “coisa” parece que por vezes ficamos presos algures entre a crítica e o idealismo numa espécie de bolha onde não há forma de ultrapassar a contradição. O pavor da hora em que tudo acaba arrasta-nos para a bricolage e acontece estarmos capazes de reparar o mundo com elásticos e fita-cola, se houver a mais pequena possibilidade de isso adiar por um instante o devir.
Enquanto aqui estou, acidentalmente, como sempre em todas as coisas, neste ram-ram onde se produz escavacanço, onde se escavaca o futuro como se não houvesse amanhã, a mim, resta-me pois aguardar pelo seu Vítor e pela sua forma airosa e borboleteante de passar pela vida.
Amanhã haverá ainda as oposições que anunciam deitar tudo abaixo assim que se instalarem no governo do país… promessas, promessas, digo eu com enfado, e o reparo que me ocorre é que me correria muito melhor o texto se em vez de “rasgar, rasgar, rasgar!” se dissesse “escavacar, escavacar, escavacar!”

quarta-feira, 17 de junho de 2009

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A balada da espera

Recordo-me de quando era garoto e morava por cima, no terceiro andar, um senhor que era mestre de obras e que recorrentemente, na rua, junto à porta do prédio, por lá ficavam uns senhores, por vezes dias inteiros, aguardando por um sinal do velho. Suponho que tenha manifestado o meu interesse pela coisa até que alguém me explicou que o senhor do terceiro andar nem sempre pagava os serviços prestados pelos senhores do pescoço esticado para trás que bebiam das janelas e varandas do prédio a possibilidade de tudo se resolver, porque afinal sempre haveria movimento lá dentro, um tremer na cortina, um assomo humano. Creio que  destes momentos floresceu a minha inclinação, se bem que desmazelada, para a esquerda. Era garoto e já bem capaz de identificar a fealdade na figura daquela fraude laboral.
Depois, com o tempo, comecei a perceber que as “esperas” participadas por pessoas que de algum modo foram enganadas, era quase um mote nacional, uma actividade com pergaminhos e com regras próprias e a momentos, devidamente mediatizada, não no sentido de intentar resolver o Homem mas certamente, inoculando na indignação solidária de todos os que já foram miseravelmente burlados e de todos os que toleram a capaz hipótese de vir a ser, e isso ao que parece somos todos, a ideia de quanto é importante assistir no sofá ao odor das criaturas e da sua humanidade. É importante que nos recordem que esse odor está em nós, nos anima profundamente e do qual não é possível o corpo escapar, para que a vida continue pela sugestão do produto desodorizante que nos vai permitir finalmente obliviar provisoriamente tal desconforto.
É de facto esta uma das expressões máximas da participação política activa do povo português. Tão lusitano demonstrar a desgraça que se abateu sobre nós quando determinado individuo, ou tertúlia destes, mais ou menos habilidoso, incertamente movido por que instintos de conservação, nos contou uma história e no processo, nos rapinou uma substancial quantidade daquilo que detemos como riqueza própria. Tão nosso este socialismo do logro em que a dicotomia entre o burlão e o burlado se consubstancia na produção de uma economia de recursos e afectos, democrática porque capaz de inverter a qualquer instante os papéis, uma economia nacional para lá dos espartilhos da ética burguesa, uma geringonça que no seu desconcerto produz produto interno bruto aos solavancos, um sistema de oportunidades e de catarses que embora dependente das relações de poder, a elas sobrevive porque lhes é a priori.
As “esperas” são, regra geral, por quem já não vem, pelo que voltou ao nada no universo de quem o detinha e do nada voltou como ente no universo distante do outro. Na melhor das hipóteses haverá compensação - as “esperas” não têm fim.

Episodicamente sucede que uns quantos clientes de uma instituição bancária fizeram uma espera ao ilustre ministro da finança à saída da garagem de um hotel. Estas pessoas foram atraídas para os meandros da jogatana financeira por um banco que lhes acenou com a minhoca dourada. Decididamente a coisa não correu bem, pelo menos para os mais incautos, e eis que o corpo dessa vertigem para cumular as poupanças que tanto fizeram da vida uma passagem mais pobre, se volatilizou na ginástica do “sobe e desce”. Rústicos resolutos e bem sucedidos, uns, fura-vidas, outros, mas todos embarcados pela miragem bacoca dos dias de oiro, os “manifestantes” bloquearam a saída da garagem enquanto gritavam gestos e palavras de ordem perante o recuo do ministro.
“Dá-nos o nosso dinheiro!”
Lá para mais tarde, saído da porta da frente do hotel, o ministro enfim desabou sobre tanta desolação como um pai, censório mas não zangado, o melhor pai possível para tais crianças, capazes geneticamente de passar da porta da garagem e do que lá sucedera para um “Vossa excelência ” embargado por lágrimas.
“Vocês têm de responsabilizar quem vos enganou!”
Foi o desespero a verter auto-comiseração que uniu aquelas pessoas para tão inútil empresa junto do eleito, isto na perspectiva materialista delas. A utilidade que elas não podem, esconde-se numa raiva virada para dentro, inconsciente, pedindo explicações à sua devota participação num sistema que já lhes preparava este desfecho, nos becos do engano. Quando tudo terminar, seja como for, tenha o resultado que tiver, essa parte já estará feita e continuará inconsciente até que completa. Essa parte do berro e da culpa – da nossa e da dos outros – que não tendo encontrado explicação justa para o sucedido o deixará de fazer, permitindo enfim que a ira se faça dor capaz do perdão a si e da tristeza necessária e valente para negar a perpetuação da espiral que alimenta a espera.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Acerca da moderação de comentários

"Tu muito gostas dos textos sem décadence... para gáudio de vocês cépticos, grupo no qual insiro 3% do meu ser em período de bonança, 33% em período de defeso e 333% em período de franca invernia... para vosso gáudio, aqui o estaminé pegaria fogo em três tempos."
Por Kaka

quarta-feira, 20 de maio de 2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Será que vale a pena, quando a crise não é pequena?

Venho aqui hoje admitir que até eu já estou em crise. Sexualmente falando, era já coisa conhecida, mas a coisa sucede de tal forma que neste momento me encontro debaixo da cama a escrever este texto.
A crise ultrapassou todas as fronteiras da ilusão e há já quem comece a sentir saudades da ameaça global do terrorismo. A crise é transversal e omnívora. Assustadora e imaginativamente fértil. Não poupa incautos nem velhinhas desconsoladas. Não faz prisioneiros mas sim reféns. A crise é uma palavra e como todas as palavras, não existe para além do seu próprio estalido. A crise é uma categoria marada que alguém arranjou para sintetizar a capacidade e competência que o animal homem tem para oprimir e violentar a sua própria humanidade. A crise é uma fábula negra inventada por um avozinho qualquer, para educar o menino Homem.
A crise está desde sempre nas ruas porque é lá que faz falta e para quem atenta são já poucas as frases que se ouvem a céu aberto que não conjuguem a palavra. As pessoas já se cumprimentam com “Eh pá, isto hoje é que tá cá uma Crise do caraças…” e as tertúlias literárias já introduziram a discussão sobre a temática “a importância da Crise" na obra deste ou daquele autor. Os oráculos televisivos esticam, dobram e desdobram, decoram a Crise; os estudantes escrevem teses de mestrado sobre a Crise e até os pais dos miúdos já os ameaçam, face à impossibilidade de negociar a ingestão completa da sopa, com a Dona Crise, que os levará com ela para os trópicos escaldantes do neoliberalismo económico. Para mais, prevê-se a qualquer momento o surgimento de uma nova corrente filosófica designada por Crisícismo, corrente essa impulsionada por José Calígula, filósofo e amador de apneia do sono, no seu livro, “A tentação de existir… apesar da Crise”.
Assim sendo, o que hoje aqui antecipo é uma praia lusitana iluminada por uma ideia de futuro. Um futuro capaz de conjugar a palavra Crise com salada de alface. Um futuro que é já ali, nos fundilhos da elevação humana, e que eu aqui revelo, levantando infamemente a pontinha do véu.
Amanhã:
O governo do país passará a ser exercido por um painel de acompanhamento da Crise, um comité de avaliação da Crise, um observatório para a Crise e pela Alta Autoridade para a Concorrência no Seio da Crise, presidida por um qualquer senhor que tenha um tom de voz engraçado, um critério de análise também engraçado e conclusões verdadeiramente engraçadas.
As criancinhas irão nascer com a Crise enrolada na boca e mais tarde só conseguirão adormecer com a luz acesa por causa da Crise Papona.
A Crise, mais dia, menos dia, à força de tanto se cantar à desgarrada por toda a substância lusitana, tornar-se-á num género musical, substituindo inclusivamente o fado, e o mote será - “Ai que saudades eu tenho da Crise do antigamente”.
As pessoas e a formiga de asa começarão a acasalar segundo os ciclos da Crise e as esposas serão devidamente recicladas até que capazes de um - “Hoje não querido, que estou com uma Crise que nem posso”.
O Manuel de Oliveira irá adaptar o best-seller “Crise para Totós” retratando com mestria os tempos mortos da Crise.
Nos cafés as pessoas pedirão - “Quero uma Crise curta se faz favor”.
A Criseologia será a grande tendência científica ao nível das ciências sociais, com criseologos capazes de, pelo comentário esclarecido, enfatizar os matizes da Crise assim como de um ou outro reflexo no alumínio da marquise.
As esfregonas terão fibras capazes de arrancar as partículas contaminantes da Crise.
Serão usadas pela indústria farmacêutica as mais avançadas tecnologias para extrair da Crise substâncias activas para produtos dietéticos. Mais tarde surgirá a polémica quando designados círculos da finança tentarem introduzir sub-repticiamente a Crise genérica.
O termo popular “Não há Crise” será substituído por “Não há agravamento da Crise”.
O termo escolástico “Há Crise de valores” será substituído por “Valores?”.
Os desenhos das crianças em idade pré primária, serão compostos por um sol, umas ou duas nuvens, uma árvore, uma menina de saia de xadrez com uma flor gigante na mão e uma Crise a deitar fumo pela chaminé.
Os jornais de referência lançarão edições de coleccionador da Crise, e o Ministério da Segurança Social uma edição comemorativa da Crise - coisa de luxo lavrada a letras de oiro e completa com um álbum fotográfico com todos os grandes empreendedores históricos da crise.
Haverá excursões organizadas para visitar e provar as especialidades das regiões mais afectadas pela Crise.
As agências de viagens terão à venda pacotes para visitar Crises exóticas.
O aquecimento global será oficialmente indexado aos movimentos da Crise.
O abrandamento da Crise será acompanhado pela descida dos “spreads”.
Os campos de refugiados, lotados por vítimas da Crise, passarão a chamar-se parques de campismo sitos na Costa da Caparica.
E a todos os portugueses será dada a hipótese de pagar a Crise em dez vezes sem juros, nesta ou numa próxima vida e, considerando até os casos em que o coito vaginal seja bem sucedido, a todos os portugueses que aí venham, que se atrevam a isso, será também possível, somente possível diria, participar nesta grande empresa que é a alma lusitana com bolinhas coloridas de Crise lá dentro.


- “Tem horas que me diga?”
- “Tenho sim. É um quarto para a crise”

sexta-feira, 3 de abril de 2009

terça-feira, 24 de março de 2009

Bem haja todas as Américas lusófonas do mundo


Estar preparado para matar não chega. Entenda-se que o homem contemporâneo não pode fazer concessões aos demónios do desmazelo sob pena de subverter de vez todo o paradigma civilizacional dos povos desenvolvidos

quarta-feira, 18 de março de 2009

Pró informação

É bem sabido que a Prof. Fátima é uma espécie de Cristiana Ronalda da televisão pública em Portugal e bem se percebe que a manutenção desse estatuto só é possível com a execução de umas belas reviengas ao ideal jornalístico.
No último programa da estação pública, “Prós e Contras”, um debate versando qualquer coisa com Portugal e Angola lá dentro, ficou a dúvida de quando se disputará a segunda mão - os “Contras”. O que me calhou, foi uma enxurrada de “Prós” que me deixou de quatro, a pingar lágrimas de arrependimento pela eventual responsabilidade que terei tido na colonização do povo angolano. Eu, que existo desde sempre!
E é lá do fundo deste sempre que aqui insinuo metaforicamente o seguinte:
É obsceno, Sr. Provedor!
Eu sei que provavelmente ele não me está a ouvir; o senhor terá melhor fazer, no entanto vou-lhe deixar aqui um breve registo desta minha experiência televisiva, pedaço de partilha para futuro catálogo.
No horário nobre, qual o meu espanto quando deparei com a exibição de um talk show de cariz que eu diria ligeiramente pornográfico em que uma série de velhos badalhocos, portugueses, alguns deles já com cartaz nestas andanças, estavam a fazer coisas porcas a um senhor africano. Depois de pesquisar na “Wikipedia” encontrei o termo apropriado para tais práticas e não é sem olhar por cima do ombro que aqui o reproduzo – Anilingus. Perante isto, o tal do africano, representante do espectacular crescimento económico angolano, deixava-se ficar, recolhido numa expressão de vigilante desconfiança e com a sobranceria que é própria das elites endinheiradas. Às tantas, e confesso que fiquei por ali a ver no que dava, tentaram o Fellatio, mas sem sucesso, o senhor não deixou.
Não é que eu não entenda as motivações. Também eu tenho em vista aumentar as minhas exportações pessoais agora que a Europa está em crise. Tenho lá coisas em casa que seria capaz de vender ao Estado angolano, ligeiramente inflacionadas é certo, mas sabendo que não é isso que está em causa, que inclusivamente estaria disposto a uma parceria de investimento no tecto da minha casa de banho, que bem precisava de uma intervenção urgente. O que eu não percebo, é que passem estas poucas vergonhas depois do jantar, com os miúdos a ver…
Contudo, o que mais me marcou, porque entretanto fui aquecer o chá, nesta demonstração de força do coro de Santa Maria de Belém, foi o surgimento de uma solista caucasiana a quem foi dada a oportunidade de intervir. Era figura relevante já não sei do quê e de nacionalidade angolana. E eu já de caneca na mão achei por bem ficar ali quietinho a ouvir.
“Ainda bem que me deixa falar porque eu já estava a ficar enervada” – começou, com um ar relativamente perturbado. “É que tenho de referir aqui um aspecto essencial que ninguém abordou”. Pronto, pensei, lá vem a gaja com a ladainha do costume, da corrupção e da extrema miséria humana, da violência social e da responsabilidade da elite angolana na manutenção de um Estado de brutal  e sistemático atropelo pelos mais elementares direitos humanos. Mas afinal era outra coisa, da qual já nem me recordo bem, porque toda a gente já o tinha dito - feito, neste caso - ela só o fez mais febril, com mais convicção, estridente e insana. Virou-se para o senhor africano, que estava já todo besuntado de creme hidratante, pediu que a desculpasse mas que não podia ficar calada, já não podia mais conter a Verdade e sem um lapso de hesitação, qualquer vírgula ou suspiro, agarrou-se ao falo que é o glorioso destino de Angola moldado pelas mãos do grande timoneiro e masturbou-o furiosamente até que ela própria se veio. Com os olhos revirados proclamou a condição de nação eleita a quem o futuro já não pode sonegar a glória dos capatazes e já em plena contracção muscular concluiu que a corrupção em Angola, a existir, é um factor positivo, desde que o produto da dita seja investido no país. Olhos nos olhos com uma afirmação destas, “mais uma palavra é sempre uma palavra a mais”.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Diga lá amiga!

"Por falar em merda, sabias que a ministra Lurdinhas nos deu a escolher o tipo de avaliação? E eu, convicta de que ainda tenho escolha, lá cliquei na opção avaliação funcional, leia-se sem aulas assistidas. Sem estas não posso obter a classificação de Muito Bom e agora a malta lá do governo anda a arrotar que a classificação obtida este ano terá efeitos no concurso daqui a 4 anos. Diz lá, bela escolha a que nos resta nesta democracia de caracacá! Eu, que por uma questão de príncipio, me abstinha de entrar na luta por mais uns tostões que a minha vizinha, dizem-me afinal que me fodo toda se não entro na luta na lama. E queres saber ainda a melhor? Se não ficar colocada em nenhuma escola das minhas opções até final de Dezembro, os senhores do governo outorgam-se o direito de me enviar para o buraquinho onde eu faça falta - Algarve, Alentejo, you name it, que neste país pequenino temos muitos buracos mal asfaltados. Retrocedi nos meus direitos e despejam-me uma enxurrada de deveres sobre a tola. Se não mergulhas na merda de bom grado, tratam de te aspergir com ela. Filhos da puta! Sinto-me agarrada ao alto de um pinheiro vergando sob o meu peso em dia de cheia valente."

terça-feira, 10 de março de 2009

Oscar me, please...

Ontem entrou-me qualquer coisa pela vista a dentro. Quando fui a ver era o filme “Slumdog Milionaire”.
Confesso que depois de ver o filme fiquei embasbacado – não fazia ideia de que um telefilme da Disney pudesse somar tantos Óscares.
Aliás, se este filme demonstra alguma coisa, é o facto de que basta despejar uma malta exótica, muito pobrezinha, numa balada obesa de tanto enfardar postais de miséria humana para revelar ao mundo o poder do amor e indisfarçavelmente embebida pelo espectro carameloso do sonho ocidental e chique, que é também, afinal de contas, uma demanda universal, para que os bons e comovidos americanos, mesmo os americanos europeus, comecem por molhar as cuecas e desatem a gritar Aleluia.
Já o Danny mantém, consistentemente, o jeito para embrulhar, numa espécie de pasta de polietileno  reluzente composta por reflexões supostamente profundas e fracturantes da condição humana, uma intenção apenas composta da mais tenra vulgaridade e do pastoso simulacro, que pretende transmutar o chumbo em cinema. Assim, oferece-nos a coisa como se fosse um saco de fruta espanhola; sabor asséptico, pouca vitamina, mas muito estilo.  Se fosse loura, este Danny haveria de escrever livros e mais livros, cheios de irreverência sexual e ensinamentos Zen.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Sopa do dia

Mais do que perceber a qualidade jornalística do Jornal Nacional da TVI, o de sexta-feira neste caso, interessa-me saber se os coentros em pó que comprei não me vão comprometer o guisado. Cheiram-me a madeira, estranhamente e de um travo doce. Idealmente, os coentros deveriam sempre chegar-me em raminho e eu muito prefiro a lida de arrancar os que estão amarelados ou que são ervas de outra estirpe, do que me sentir um boi pasmado a olhar para um frasco, assustado com o facto de assumir que alguém escolheu por mim o sabor que os coentros devem ter.
Muitas das letras acerca do Jornal da noite da TVI, o de sexta-feira pois claro, advertem-me para o potencial infeccioso de todos estes pós devidamente tratados no sentido de tornar o acto de cozinhar num gesto asseado e desprovido de ruídos.
Do que eu padeço, não é do gosto pelo ruído, eu já não suporto sem ele a melodia.
Confesso o meu desconcerto perante as missivas que distinguem eloquentemente o bom do mau jornalismo. A humanidade não desconfia mas faço chichi na cama quando adormeço a pensar no caso – no concreto do caso, quando alguém adverte que andamos a papar jornalismo eticamente violentado. E eu supostamente a perder tudo… ou pelo menos a consciência de tudo. Dou comigo a cogitar até que ponto o bom serviço jornalístico se presta nas palavras dos gurus da deontologia e da ética e se tais não o tornam mais perigoso, mais capaz da absoluta traição.
Tenho comigo a fantasia de que, de momento, porque me dá jeito de momento, o “bom jornalismo” é absolutamente inútil. Do que eu preciso é de muito jornalismo. Sobremaneira prefiro a quantidade à promessa de qualidade - antes a liberdade narcísica do que o conforto fétido de uma bitola definida por malta capaz de tornar o mundo melhor com as suas mãozinhas cheias de óleo para amaciar o rabinho da criança. Ainda para mais, quando as técnicas de manipulação da informação e dos canais escolhidos para a sua comunicação aspiram secretamente a estragar-me o dia e no meu campeonato de caricas cilindram a fantasmagórica “habilidade” de bem formar jornalistas. Restam-nos ou a indiferença ou a responsabilidade da escolha ou a irresponsabilidade de uma outra coisa qualquer.
Se é cada vez mais evidente que o jornalismo já não consegue sobreviver ao produto então julgar um produto com recurso aos mais elevados valores de uma ética que não seja comercial não pode deixar de ser uma actividade suspeita. E isto também se aplica às forças alvas, que protegem o mundo de primaveras sombrias e campanhas negras - são suspeitas.
No concreto, o que cheira nesta insonsa indignação motivada por um suposto jornal nacional são as virilhas suadas de quem reage da bancada, não por dívida à deontologia, mas por afecto táctico. Usando para isso a retórica da higiene como advertência aos incautos quando o que realmente importa é perceber quem é que vai para a cama com quem.
Colocada a coisa na ponta da faca da imagem futebolística, o jogo transborda, invade as bancadas e nas bancadas faz-se a jogada de uma discussão em espiral de fervor lento, protagonizada por peixeiras tolhidas de tanta sofisticação, que venderam a alma ao senhor dos chouriços - e é por isso que me cheira a peixe; a maior parte das vezes, perfumadamente podre. O jogo poderá até ser uma espécie de derby, um dos de sempre: governo versus o conjunto que equipa de negro. Entre insultos, escarros e cotoveladas nos dentes, o jornalismo é tanto mais um instrumento como um pretexto para ambas as equipas e para as turbas adeptas que se enfrentam num campo feito dessa pasta com que nos obliteram desde sempre: o estado do país. A bola faz-se de trapos informativos, ora acariciada por Cristianos, ora sovada por Marianos e o que realmente importa não é do que é feita mas sim a sua trajectória.
É talvez por isso ligeiramente desonesto que se discuta o estilo quando fundamentalmente importa, para quem pagou bilhete com o seu próprio bílis e sangue, poder partir a boca toda à reputação e bom nome do Primeiro ministro e do governo. É um direito inalienável escolher partilhar das inatas práticas da populaça e correr alvoraçadamente em todas as invasões de campo virtuais. Outros sítios há que é pedrada de meia noite. Putas de vacas pachorrentas, é o que nós somos.
Não fosse o cinismo um dos poucos orgulhos que tenho e não estaria eu também de cu sentado no terceiro ou quarto anel, ou no anel de fogo, valha-me deus, porque o jornal de sexta feira da TVI é como um daqueles apurados chouriços alentejanos ao qual eu não resisto, ou um queijinho “venenoso” do qual me apetece dispor.
E admito que é sem remorso que enfardo tal pitéu. Proteger em mim, com a devida dose de indignação pela linha editorial utilizada por um programa televisivo de merda, a corja que monta furiosamente o governo do país seria de um masoquismo ultrajante além de totalmente inútil.
No final do dia encontro-me refém do mesmo céu de sempre a patinar na mesma merda de sempre, na minha e na que me rodeia, e tenho francas dúvidas de que, se o governo do país fosse outro, o meu final de dia pudesse ser diferente. Assim sendo, não arrisco colocar aqui os meus interesses, os que ainda escondo debaixo do colchão, em jogo. No limite, na minha percepção mais honesta e desprovida de artifícios participativos, a acção deste ou daquele governo são coisas que se passam no reino distante da Malásia, se é que isso existe e é distante. O queijinho malandro não passa de uma gulodice que sabe a qualquer coisa como vendetta pífia e que depois de digerido já nem sequer satisfaz os meus fantásticos e gloriosos ideais de justiça.
Ocasiões há em que imagino o diálogo com a minha avozinha de cartão:
– Bem avozinha, vou agora dar uma espreitadela ao Jornal Nacional de sexta-feira.
– Vai sim meu querido que é o mais que levamos desta vida… dar umas espreitadelas.
Um dia destes ainda plastifico a senhora.