terça-feira, 24 de março de 2009

Bem haja todas as Américas lusófonas do mundo


Estar preparado para matar não chega. Entenda-se que o homem contemporâneo não pode fazer concessões aos demónios do desmazelo sob pena de subverter de vez todo o paradigma civilizacional dos povos desenvolvidos

quarta-feira, 18 de março de 2009

Pró informação

É bem sabido que a Prof. Fátima é uma espécie de Cristiana Ronalda da televisão pública em Portugal e bem se percebe que a manutenção desse estatuto só é possível com a execução de umas belas reviengas ao ideal jornalístico.
No último programa da estação pública, “Prós e Contras”, um debate versando qualquer coisa com Portugal e Angola lá dentro, ficou a dúvida de quando se disputará a segunda mão - os “Contras”. O que me calhou, foi uma enxurrada de “Prós” que me deixou de quatro, a pingar lágrimas de arrependimento pela eventual responsabilidade que terei tido na colonização do povo angolano. Eu, que existo desde sempre!
E é lá do fundo deste sempre que aqui insinuo metaforicamente o seguinte:
É obsceno, Sr. Provedor!
Eu sei que provavelmente ele não me está a ouvir; o senhor terá melhor fazer, no entanto vou-lhe deixar aqui um breve registo desta minha experiência televisiva, pedaço de partilha para futuro catálogo.
No horário nobre, qual o meu espanto quando deparei com a exibição de um talk show de cariz que eu diria ligeiramente pornográfico em que uma série de velhos badalhocos, portugueses, alguns deles já com cartaz nestas andanças, estavam a fazer coisas porcas a um senhor africano. Depois de pesquisar na “Wikipedia” encontrei o termo apropriado para tais práticas e não é sem olhar por cima do ombro que aqui o reproduzo – Anilingus. Perante isto, o tal do africano, representante do espectacular crescimento económico angolano, deixava-se ficar, recolhido numa expressão de vigilante desconfiança e com a sobranceria que é própria das elites endinheiradas. Às tantas, e confesso que fiquei por ali a ver no que dava, tentaram o Fellatio, mas sem sucesso, o senhor não deixou.
Não é que eu não entenda as motivações. Também eu tenho em vista aumentar as minhas exportações pessoais agora que a Europa está em crise. Tenho lá coisas em casa que seria capaz de vender ao Estado angolano, ligeiramente inflacionadas é certo, mas sabendo que não é isso que está em causa, que inclusivamente estaria disposto a uma parceria de investimento no tecto da minha casa de banho, que bem precisava de uma intervenção urgente. O que eu não percebo, é que passem estas poucas vergonhas depois do jantar, com os miúdos a ver…
Contudo, o que mais me marcou, porque entretanto fui aquecer o chá, nesta demonstração de força do coro de Santa Maria de Belém, foi o surgimento de uma solista caucasiana a quem foi dada a oportunidade de intervir. Era figura relevante já não sei do quê e de nacionalidade angolana. E eu já de caneca na mão achei por bem ficar ali quietinho a ouvir.
“Ainda bem que me deixa falar porque eu já estava a ficar enervada” – começou, com um ar relativamente perturbado. “É que tenho de referir aqui um aspecto essencial que ninguém abordou”. Pronto, pensei, lá vem a gaja com a ladainha do costume, da corrupção e da extrema miséria humana, da violência social e da responsabilidade da elite angolana na manutenção de um Estado de brutal  e sistemático atropelo pelos mais elementares direitos humanos. Mas afinal era outra coisa, da qual já nem me recordo bem, porque toda a gente já o tinha dito - feito, neste caso - ela só o fez mais febril, com mais convicção, estridente e insana. Virou-se para o senhor africano, que estava já todo besuntado de creme hidratante, pediu que a desculpasse mas que não podia ficar calada, já não podia mais conter a Verdade e sem um lapso de hesitação, qualquer vírgula ou suspiro, agarrou-se ao falo que é o glorioso destino de Angola moldado pelas mãos do grande timoneiro e masturbou-o furiosamente até que ela própria se veio. Com os olhos revirados proclamou a condição de nação eleita a quem o futuro já não pode sonegar a glória dos capatazes e já em plena contracção muscular concluiu que a corrupção em Angola, a existir, é um factor positivo, desde que o produto da dita seja investido no país. Olhos nos olhos com uma afirmação destas, “mais uma palavra é sempre uma palavra a mais”.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Diga lá amiga!

"Por falar em merda, sabias que a ministra Lurdinhas nos deu a escolher o tipo de avaliação? E eu, convicta de que ainda tenho escolha, lá cliquei na opção avaliação funcional, leia-se sem aulas assistidas. Sem estas não posso obter a classificação de Muito Bom e agora a malta lá do governo anda a arrotar que a classificação obtida este ano terá efeitos no concurso daqui a 4 anos. Diz lá, bela escolha a que nos resta nesta democracia de caracacá! Eu, que por uma questão de príncipio, me abstinha de entrar na luta por mais uns tostões que a minha vizinha, dizem-me afinal que me fodo toda se não entro na luta na lama. E queres saber ainda a melhor? Se não ficar colocada em nenhuma escola das minhas opções até final de Dezembro, os senhores do governo outorgam-se o direito de me enviar para o buraquinho onde eu faça falta - Algarve, Alentejo, you name it, que neste país pequenino temos muitos buracos mal asfaltados. Retrocedi nos meus direitos e despejam-me uma enxurrada de deveres sobre a tola. Se não mergulhas na merda de bom grado, tratam de te aspergir com ela. Filhos da puta! Sinto-me agarrada ao alto de um pinheiro vergando sob o meu peso em dia de cheia valente."

terça-feira, 10 de março de 2009

Oscar me, please...

Ontem entrou-me qualquer coisa pela vista a dentro. Quando fui a ver era o filme “Slumdog Milionaire”.
Confesso que depois de ver o filme fiquei embasbacado – não fazia ideia de que um telefilme da Disney pudesse somar tantos Óscares.
Aliás, se este filme demonstra alguma coisa, é o facto de que basta despejar uma malta exótica, muito pobrezinha, numa balada obesa de tanto enfardar postais de miséria humana para revelar ao mundo o poder do amor e indisfarçavelmente embebida pelo espectro carameloso do sonho ocidental e chique, que é também, afinal de contas, uma demanda universal, para que os bons e comovidos americanos, mesmo os americanos europeus, comecem por molhar as cuecas e desatem a gritar Aleluia.
Já o Danny mantém, consistentemente, o jeito para embrulhar, numa espécie de pasta de polietileno  reluzente composta por reflexões supostamente profundas e fracturantes da condição humana, uma intenção apenas composta da mais tenra vulgaridade e do pastoso simulacro, que pretende transmutar o chumbo em cinema. Assim, oferece-nos a coisa como se fosse um saco de fruta espanhola; sabor asséptico, pouca vitamina, mas muito estilo.  Se fosse loura, este Danny haveria de escrever livros e mais livros, cheios de irreverência sexual e ensinamentos Zen.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Sopa do dia

Mais do que perceber a qualidade jornalística do Jornal Nacional da TVI, o de sexta-feira neste caso, interessa-me saber se os coentros em pó que comprei não me vão comprometer o guisado. Cheiram-me a madeira, estranhamente e de um travo doce. Idealmente, os coentros deveriam sempre chegar-me em raminho e eu muito prefiro a lida de arrancar os que estão amarelados ou que são ervas de outra estirpe, do que me sentir um boi pasmado a olhar para um frasco, assustado com o facto de assumir que alguém escolheu por mim o sabor que os coentros devem ter.
Muitas das letras acerca do Jornal da noite da TVI, o de sexta-feira pois claro, advertem-me para o potencial infeccioso de todos estes pós devidamente tratados no sentido de tornar o acto de cozinhar num gesto asseado e desprovido de ruídos.
Do que eu padeço, não é do gosto pelo ruído, eu já não suporto sem ele a melodia.
Confesso o meu desconcerto perante as missivas que distinguem eloquentemente o bom do mau jornalismo. A humanidade não desconfia mas faço chichi na cama quando adormeço a pensar no caso – no concreto do caso, quando alguém adverte que andamos a papar jornalismo eticamente violentado. E eu supostamente a perder tudo… ou pelo menos a consciência de tudo. Dou comigo a cogitar até que ponto o bom serviço jornalístico se presta nas palavras dos gurus da deontologia e da ética e se tais não o tornam mais perigoso, mais capaz da absoluta traição.
Tenho comigo a fantasia de que, de momento, porque me dá jeito de momento, o “bom jornalismo” é absolutamente inútil. Do que eu preciso é de muito jornalismo. Sobremaneira prefiro a quantidade à promessa de qualidade - antes a liberdade narcísica do que o conforto fétido de uma bitola definida por malta capaz de tornar o mundo melhor com as suas mãozinhas cheias de óleo para amaciar o rabinho da criança. Ainda para mais, quando as técnicas de manipulação da informação e dos canais escolhidos para a sua comunicação aspiram secretamente a estragar-me o dia e no meu campeonato de caricas cilindram a fantasmagórica “habilidade” de bem formar jornalistas. Restam-nos ou a indiferença ou a responsabilidade da escolha ou a irresponsabilidade de uma outra coisa qualquer.
Se é cada vez mais evidente que o jornalismo já não consegue sobreviver ao produto então julgar um produto com recurso aos mais elevados valores de uma ética que não seja comercial não pode deixar de ser uma actividade suspeita. E isto também se aplica às forças alvas, que protegem o mundo de primaveras sombrias e campanhas negras - são suspeitas.
No concreto, o que cheira nesta insonsa indignação motivada por um suposto jornal nacional são as virilhas suadas de quem reage da bancada, não por dívida à deontologia, mas por afecto táctico. Usando para isso a retórica da higiene como advertência aos incautos quando o que realmente importa é perceber quem é que vai para a cama com quem.
Colocada a coisa na ponta da faca da imagem futebolística, o jogo transborda, invade as bancadas e nas bancadas faz-se a jogada de uma discussão em espiral de fervor lento, protagonizada por peixeiras tolhidas de tanta sofisticação, que venderam a alma ao senhor dos chouriços - e é por isso que me cheira a peixe; a maior parte das vezes, perfumadamente podre. O jogo poderá até ser uma espécie de derby, um dos de sempre: governo versus o conjunto que equipa de negro. Entre insultos, escarros e cotoveladas nos dentes, o jornalismo é tanto mais um instrumento como um pretexto para ambas as equipas e para as turbas adeptas que se enfrentam num campo feito dessa pasta com que nos obliteram desde sempre: o estado do país. A bola faz-se de trapos informativos, ora acariciada por Cristianos, ora sovada por Marianos e o que realmente importa não é do que é feita mas sim a sua trajectória.
É talvez por isso ligeiramente desonesto que se discuta o estilo quando fundamentalmente importa, para quem pagou bilhete com o seu próprio bílis e sangue, poder partir a boca toda à reputação e bom nome do Primeiro ministro e do governo. É um direito inalienável escolher partilhar das inatas práticas da populaça e correr alvoraçadamente em todas as invasões de campo virtuais. Outros sítios há que é pedrada de meia noite. Putas de vacas pachorrentas, é o que nós somos.
Não fosse o cinismo um dos poucos orgulhos que tenho e não estaria eu também de cu sentado no terceiro ou quarto anel, ou no anel de fogo, valha-me deus, porque o jornal de sexta feira da TVI é como um daqueles apurados chouriços alentejanos ao qual eu não resisto, ou um queijinho “venenoso” do qual me apetece dispor.
E admito que é sem remorso que enfardo tal pitéu. Proteger em mim, com a devida dose de indignação pela linha editorial utilizada por um programa televisivo de merda, a corja que monta furiosamente o governo do país seria de um masoquismo ultrajante além de totalmente inútil.
No final do dia encontro-me refém do mesmo céu de sempre a patinar na mesma merda de sempre, na minha e na que me rodeia, e tenho francas dúvidas de que, se o governo do país fosse outro, o meu final de dia pudesse ser diferente. Assim sendo, não arrisco colocar aqui os meus interesses, os que ainda escondo debaixo do colchão, em jogo. No limite, na minha percepção mais honesta e desprovida de artifícios participativos, a acção deste ou daquele governo são coisas que se passam no reino distante da Malásia, se é que isso existe e é distante. O queijinho malandro não passa de uma gulodice que sabe a qualquer coisa como vendetta pífia e que depois de digerido já nem sequer satisfaz os meus fantásticos e gloriosos ideais de justiça.
Ocasiões há em que imagino o diálogo com a minha avozinha de cartão:
– Bem avozinha, vou agora dar uma espreitadela ao Jornal Nacional de sexta-feira.
– Vai sim meu querido que é o mais que levamos desta vida… dar umas espreitadelas.
Um dia destes ainda plastifico a senhora.